Para saber o que é neostalinismo, antes é preciso entender o que foi o stalinismo. De acordo com o historiador Eric Hobsbawm:
“Os sistemas políticos do mundo socialista, essencialmente modelados no sistema soviético, não tinham equivalentes reais em outras partes. Baseavam-se em um único partido fortemente hierarquizado e autoritário, o qual monopolizava o poder do Estado – na verdade, às vezes praticamente substituía o Estado –, operando uma economia centralmente planejada e (pelo menos em teoria) impondo uma única ideologia marxista leninista compulsória aos habitantes do país.”
Partindo dessa ideia, podemos definir o neostalinismo como uma tentativa de resgate da propaganda oficial do regime soviético, a qual depende da negação das pesquisas historiográficas realizadas nos arquivos após a queda do regime. Essa narrativa é, inclusive, estruturada de forma muito semelhante à da extrema direita. É como se o pensamento intelectual fosse parte de uma conspiração, que, agora, estaria sendo revelada.
Olhe, por exemplo, esse texto escrito por um youtuber neostalinista. Nele, o autor diz que vai desfazer os mitos (sempre de forma vaga) a respeito do tema, perpetrados por certa historiografia que ele também não identifica de forma clara.
Na sequência, o autor do texto começa a apresentar, sempre de forma caricata e rasteira, as falácias que ele pretende desconstruir, de modo a restabelecer a “verdade” histórica.
Pois bem, o problema é que, quando a gente vai olhar a bibliografia selecionada, percebe que, dos 11 livros destacados, nenhum deles é dedicado exclusivamente à temática dos gulags. Nenhum! Ou seja, o autor quer “desmascarar” a historiografia sem recorrer a fontes primárias e com fontes secundárias muito precárias. Mas as falhas não terminam aí.
Apenas dois livros analisam, em pelo menos um dos seus capítulos, a temática (Stalin: História crítica de uma lenda negra, Domenico Losurdo, e O Século Soviético, Moshe Lewin). O restante aborda apenas questões transversais, como teoria marxista e até direito penal. Analisemos essas duas obras.
O Século Soviético é um livro de extrema importância e, até hoje, é referência para os estudiosos da história soviética. Porém, as passagens citadas foram cuidadosamente selecionadas. O youtuber pinçou apenas os trechos mais favoráveis à conclusão que ele queria chegar, os quais são passagens referentes apenas aos anos 20, enquanto todas as transformações posteriores — justamente no período de Stalin, que , segundo o próprio Moshe Lewin, teriam sido desumanas — foram ignoradas. Tudo foi apagado pela argumentação do youtuber. Quem quiser conferir, basta abrir tal livro para perceber a manipulação.
Ou seja, uma das únicas obras que, de fato, aborda o tema proposto pelo texto, é inserida unicamente com a intenção de servir à conclusão que o autor pretende chegar de antemão. Em suma, trata-se de uma estratégia de manipulação grosseira.
Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Em relação ao outro autor escolhido, Domenico Losurdo, o youtuber não precisou selecionar os trechos mais convenientes. O próprio Losurdo já havia feito esse trabalho. A pesquisa do filósofo italiano também não contou com fontes primárias e os autores citados, Anne Applebaum e Oleg Khlevniuk, foram inseridos também com trechos pinçados cuidadosamente, poupando o trabalho do youtuber, que acabou citando a Anne Appleblaum de terceira mão, sem, de fato, ter lido o trabalho da pesquisadora, a qual, inclusive, é uma autora extremamente crítica ao stalinismo.
O mais interessante é que o livro da Anne Applebaum está disponível gratuitamente na internet, bastaria ele ter pesquisado no Google. Mas não. Nada disso interessava. Afinal, o que menos importava era a pesquisa séria, mas ter algum material para embasar a conclusão que ele já havia estabelecido no início.
Por fim, percebe-se que o texto usa fontes para embasar seus argumentos que afirmam exatamente o oposto do que o youtuber conclui.
Olhe esse comentário de um leitor, que, obviamente, nunca obteve resposta:

A importância de saber o que é neostalinismo
Nesse caso a gente deveria debater qual a importância da história. Para isso, pode-se citar o grande historiador Marc Bloch, o qual alertou que a incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Ou, como afirma Peter Burke, a função do historiador é lembrar à sociedade sobre aquilo que ela quer esquecer. Nesse caso, eu deixaria uma indagação: se o assunto não é importante, por que então ele incomoda tanto? Por que ele gera reações tão viscerais? Difícil responder sem reconhecer que o passado influencia de alguma forma no debate político atual. Mas de que forma? Essa é a grande questão.
Fica a impressão que, depois da queda da URSS, a esquerda não foi capaz de substituir o modelo soviético, que estava desaparecendo, por outro modelo. Isso levou a certa desilusão. Agora, com a decadência do neoliberalismo, talvez esteja aparecendo uma nova geração que busca alternativas. Essas alternativas podem ser de direita, visível no ressurgimento dos movimentos neofascistas, ou de esquerda, que tenta reabilitar as experiências socialistas do século XX.
Isso não seria positivo? O problema é que esse movimento é feito por meio de muita manipulação de informações, negacionismos e teorias da conspiração, o que tem levado a simplificação excessiva do processo histórico, ao antintelectualismo e estimulado um radicalismo politicamente estéril.
Sobre os milhões de mortos nos regimes socialistas
É preciso ter calma para responder essa pergunta. A forma como ela é posta, de forma debochada, muitas vezes já é feita para interditar o debate. É inquestionável que durante o governo de Stalin milhões de pessoas morreram. Esse número varia entre 10 a 20 milhões. Isso é um fato que nenhum historiador sério nega atualmente.
Então não se trata de uma invenção do Livro Negro do Comunismo, como os stalinistas dizem. Essa negação é outra mentira que tem circulado na internet. Há centenas de fontes a respeito do tema, que vão muito além do Livro Negro do Comunismo, muitos desses livros foram inclusive escritos por historiadores marxistas.
O livro História do Marxismo VII, por exemplo, reúne o que há de melhor no pensamento marxista e nele tais crimes são debatidos de forma muito séria. O próprio Eric Hobsbawm, na Era dos Extremos, reconhece que o número de mortos ficou entre 10 e 20 milhões. Ele ainda alerta que, mesmo que tais dados fossem muito menores, ainda assim seria vergonhoso. Mais importante do que discutir o número de mortos é entender o que levou a tamanha carnificina.
A questão demográfica
Mas e o argumento que diz ser impossível toda essa mortandade, dado que não foi seguida de uma forte queda demográfica?
Essa é outra mentira que circula na rede. É preciso lembrar que, sob Stalin, em nome da necessidade de um ambiente social equilibrado, os impulsos sexuais seriam combatidos. As práticas sexuais consideradas desviantes seriam severamente reprimidas. A sodomia, por exemplo, foi considerada crime (um homossexual poderia passar até cinco anos em um gulag). O aborto passou a ser visto como ato egoísta da mulher e acabou proscrito em 1936.
Tal inversão tinha dois objetivos:
1. Expandir a natalidade, para repor as perdas humanas durante o processo de coletivização forçada;
2. Propiciar um ambiente social mais estável. Assim, as mães passaram a ser vistas como arquétipo de socialistas heroicas e independentes. A maternidade era um dever socialista. A partir de 1944, criaram-se medalhas para as mulheres que engravidavam. Para serem nomeadas mães heroínas da União Soviética, honraria máxima, era preciso ter no mínimo 10 filhos.
Mas isso não teria relação com a Segunda Guerra Mundial?
Não apenas. O aborto, por exemplo, foi proibido em 1936. Mas o aspecto mais importante é que as perdas humanas apareceram sim nas estatísticas. Na década de 1930, quando o Segundo Plano Quinquenal chegava ao fim, foi realizado um censo que mostrou que havia 16 milhões de pessoas a menos que o esperado. 16 milhões!
Isso não quer dizer que todas essas pessoas foram assassinadas, mas não resta dúvida que boa parte delas morreram durante a coletivização forçada. A prova disso é que Stalin mandou matar os responsáveis pelo levantamento.
Esse fato é discutido a exaustão por vários historiadores. O trabalho mais recente é do Timothy Snayder, Terras de Sangue. Apesar de crítico ao comunismo, olivro de Snayder não é um panfleto anti-comunista, muito pelo contrário, é baseado em 30 arquivos de diversos países. A fonte do seu livro é sólida e está disponível para qualquer um que quiser conferir. Não estamos falando de uma interpretação, mas de um fato. É como o AI5, pode haver divergências nas interpretações, mas o AI5 existiu independentemente da ideologia do historiador que irá pesquisá-lo.
Mas, de qualquer forma, Snayder não é o único que cita esse documento. O próprio Eric Hobsbawm fala desse censo em seu livro Era dos Extremos: “Acrescento, sem comentário, que a população total da URSS em 1937 era tida como de 164 milhões, ou 16,7 milhões menos que as previsões demográficas do Segundo Plano Quinquenal” (Era dos Extremos: pp 383) .
Portanto, se a historiografia está errada, o correto seria demonstrar o erro. Se o documento é falso, o correto seria apontar onde está a falsificação. É o que deve ser feito por quem questiona. Porém, o que os neostalinistas fazem é taxar de forma vaga os historiadores de anticomunistas para fugir do debate sério.
Holodomor é um fato histórico
“Querido Tio! Não temos pão nem outras coisas para comer. Meus pais estão cansados por causa da fome, deitam-se e não conseguem levantar. Minha mãe perdeu a visão com a fome e não consegue enxergar nada. Eu é que costumo pegá-la pelo braço e sair de casa. Leve-me, tio, para Khrakov com você, senão morrerei de fome. Leve-me porque ainda sou muito nova e quero viver; aqui vou morrer, porque todos morrem.” (Carta de uma criança ucraniana, pouco antes de morrer de inanição, sem que o tio nada pudesse fazer).
Sim, holodomor é um fato histórico. Hoje há livros com mais de 500 páginas apenas de documentos sobre o assunto. Por que então não há fotos e relatos do holodomor como temos do holocausto?
Essa é outra falácia muito disseminada. Há sim fotos de pessoas mortas durante a fome. Há também inúmeros relatos a esse respeito. Mas não na mesma proporção do holocausto. Não custa lembrar que os filmes e as fotos que hoje nós vemos a respeito dos campos de concentração nazistas foram feitas quando os aliados entraram nesses campos. Antes havia pouco material a respeito do massacre dos judeus.
No caso da URSS, não houve libertação e, portanto, as fotos são mais escassas. Mas elas existem. O fotografo Alexander Wienerberger, por exemplo, que passou uma temporada na Carcóvia durante a crise, conseguiu tirar clandestinamente mais de 100 fotos. Segue algumas delas:




Ok. Isso prova que houve fome. Mas a culpa não seria do clima?
Essa questão do impacto do clima na produção de grão é controversa. Pode sim ter havido uma queda na produção, mas isso não explica a fome e tampouco inocenta os dirigentes soviéticos.
Vamos imaginar que seja verdade, que a causa da escassez tenha sido as condições climáticas. Nesse caso, o que deveria ser feito? O mínimo que se espera de um governo preocupado com o bem estar do seu povo seria racionar os alimentos, impedir a exportação de grãos e buscar ajudar externa.
Contudo, não foram essas as medidas tomadas. Stalin preferiu mandar recolher todos os grãos das regiões produtoras, deixando essas regiões sem comida. Manteve as exportações de grãos. E, para piorar, em dezembro de 1932, quando a fome estava começando a fazer as primeiras vítimas, ele impôs um passaporte interno que impedia que as pessoas saíssem dessas regiões. Ou seja, ele prendeu milhares de pessoas em áreas sem comida. Para piorar, como demonstrou o historiador Richard J Evans, alguns oposicionistas também foram deportados para essas áreas. Não tem como justificar esse tipo de barbaridade.
Mas e os historiadores que negam o Holodomor? Essa historiografia simplesmente não existe. A não ser uns dois ou três estelionatários. Mas isso existe até com os negacionistas do Holocausto. Os neostalinistas costumam citar os historiadores Davis e Wheatcrof como contraponto ao que ele chama de historiografia ocidental. Seriam eles estelionatários?
Não. Davis e Wheatcrof são dois historiadores sérios. Porém podem ser considerados estelionatários nomes como Ludo Martens, Grover Furr e Douglas Tottle, pesquisadores que são levados a sério tanto quanto o Olavo de Carvalho.
Se Davis e Wheatcrof são bons historiadores, por que não considerar as pesquisas deles? O trabalho deles é considerado. O problema é que eles não negam a existência da fome na Ucrânia, tampouco a culpa da liderança soviética. O youtuber neostalinista citou o nome dos historiadores sem ter lido o livro deles. Quer dizer, ele sequer cita os livros, mas apenas os nomes dos autores. Veja, por exemplo, essa passagem deles:
“Nós absolutamente não absolvemos Stalin da responsabilidade pela fome. Suas políticas para com os camponeses eram implacáveis e brutais. Mas a história que surgiu neste livro é de uma liderança soviética que estava lutando com uma crise de fome causada parcialmente por políticas erradas, mas era inesperado e indesejável. O pano de fundo da fome não é simplesmente o fato de as políticas agrícolas soviéticas derivarem da ideologia bolchevique, embora a ideologia tenha desempenhado seu papel. Eles também foram moldados pelo passado pré-revolucionário russo, as experiências da guerra civil, a situação internacional, as circunstâncias intransigentes da geografia e do clima e o modus
operandi do sistema soviético tal como foi estabelecido sob Stalin. Eles foram formulados por homens com pouca educação formal e limitado conhecimento da agricultura. Acima de tudo, foram uma consequência da decisão de industrializar este país camponês a uma velocidade vertiginosa.” (Davies e Wheartcroft, Years of Hunger, pp 441)
Mesmo assim, o youtuber cita autores como Stephen Wheatcroft e Ach Getty para tentar transparecer algum lastro historiográfico, de modo a embasar os absurdos que ele repete. Mas repare que, na hora de citar diretamente alguma obra, eles nunca saem de nomes como Losurdo, Grover e Furr. Por que sera? O motivo é que eles nunca leram esses autores e, se leram, sabem que eles não servem para embasar esse tipo de negacionismo que está sendo praticado.
Arch Getty e Stephen Wheatcroft ganharam notoriedade criticando a historiografia de Guerra Fria, que chamava o stalinismo de totalitário. Eles criticaram os métodos uados por historiadores como Robert Conquest para fazer as estimativas dos números de mortos durante o stalinismo. Por isso eles são sempre citados. Porém, criticar os métodos do Robert Conquest não significa negar as atrocidades cometidas.
Sobre as fontes usadas pelos negacionistas de Holodomor
As fontes são muito poucas e são apresentadas de forma distorcida. Segundo a narrativa dos neostalinistas, por exemplo, em 1935 o jornalista americano William Hearst teria visitado a Alemanha nazista e recebido a notícia da suposta fome da Ucrânia diretamente do Goebbels e depois espalhado a mentira pela imprensa mundial. De fato, o jornalista Thomas Walker publicou, no New York Evining Journal, empresa controlada por Hearst, uma matéria manipulada sobre o assunto. O que resultou desmentido, que saiu no The Nation, assinado pelo jornalista Louis Ficher.
Até aí narrativa deles tem um fundo de verdade. O problema é que eles dão um salto lógico. Ora, o fato da matéria do New York ser falsa não quer dizer que não houve fome. Para piorar, ao dizer que essa história foi inventada pelo empresário Hearst em 1935, autores como Douglas Tottle ignoram propositalmente a existência de relatos anteriores a respeito da fome na Ucrânia.

Há basicamente dois importantes relatos, que apareceram ainda em 1933, dos jornalistas Gareth Jones e Malcolm Muggeridge. Gareth viajou para URSS em de março de 1933 e conseguiu entrar na Ucrânia de forma clandestina. Lá ele presenciou a condição de penúria que a população local passava. Detalhe: Gareth iria morrer em 1935 e, suspeita-se, que ele tenha sido assassinado a mando da NKVD. Antes dele, o jornalista Muggeride, na época um comunista, já tinha relatado a existência da fome. O relato de Gerath, sobretudo, é ignorado pelos nagacionistas do Holodomor porque eles desmentem a tese de que essa história teria sido inventada por Goebbels e Hearst em 1935.
Oura fonte usada pelos negacionistas de Holodomor é o relato do político francês Édouard Herriot, que viajou à França em 1933 e relatou não ter visto ninguém passando fome. O problema é que os neostalinistas usam essa fonte sem a devida crítica. Herriot era um político Francês que havia sido enviado a Moscou para estreitar os laços entre a URSS e a França, após a ascensão de Hitler. Ou seja, além de visitar áreas pré-determinadas pelo governo soviético, ele tinha total interesse em tentar melhorar a imagem dos russos na França. Nada disso é levado em consideração pelos neostalinistas.
Mas, seja como for, toda essa discussão se tornou anacrônica após a abertura dos arquivos soviéticos. O livro do Douglas Tottle, por exemplo, é da década de 1980. Hoje as fontes disponíveis são muito mais amplas, elas vão muito além dos relatos dos viajantes. Há inclusive correspondências secretas, enviadas para o próprio Stalin, relatando o problema. Como disse, há trabalhos mais recentes com cerca de 500 páginas apenas de referências.
Cartas do povo a Stalin
Transcrição de algumas cartas enviadas à Stalin relatando o problema da fome e pedindo ajuda:
Não antes de 31 de março de 1932[1]
Não deve ser anunciado
Novo-Oskol r., Central Center, der. Lobovka, do Conselho da Vila Nikolaev, Ivan Litvinov:
“Todos os dias, camponeses famintos, agricultores coletivos e agricultores individuais viajam por todo o distrito em busca de pão integral, pelo qual dão todo o seu lixo, como sapatos, roupas e tudo o que é. Quando perguntam por que você está morrendo de fome, eles respondem: ‘Tivemos uma boa colheita, mas as autoridades soviéticas até então trouxeram seus planos e tarefas para nós até ficarmos sem um quilo de pão’. Quando você pergunta a eles quem é o culpado, eles respondem: ‘O governo soviético, que levou o pão de nós aos grãos, condenando-nos à fome e à pobreza, é pior do que sob a servidão”.
Eu próprio sou trabalhador, membro do Komsomol desde 1928 e me pergunto se a Ucrânia passaria fome com uma boa colheita. Também temos fazendas coletivas e há pão suficiente. Por que essa situação está no distrito central? Chamo a atenção de Izvestia para esse fenômeno, porque ‘comboios famintos’, onde quer que cheguem, causam pânico e espalham discursos hostis contra o regime soviético”.
Conselho da aldeia Budyonny Olkhov de Novocherkassky r., Gusev Ivan:
“Agricultores coletivos os cultivam. Budyonny está sem pão, o pão foi tirado de nós”.
Shakhtinsky p., E Novocherkassky p. diz: ‘Você mesmo entregou os documentos. Eles dizem que não vão dar pão para você comer, mas vamos dar para semear.’ Mas o que fazer sem pão, o que vamos comer até a próxima colheita? Quem conseguiu escapar a tempo é bom para ele – ele vive e come o pão, e o resto correu, mas tarde, o conselho da vila não dá um certificado, disse: ‘Você vai embora, ninguém vai trabalhar’. Agora deixado nu, doente, 200 g de pão de cevada por dia e repolho sem manteiga. É terrível observar quando um homem forte chora, e ele chora porque foi enganado pela fazenda coletiva, ficando sem fazenda, sem pão, sem roupa e perdeu a liberdade. Não precisamos de nada, deixaremos nossas cabanas e locais nativos, se déssemos um certificado para entrar em produção.”[2]
A cidade de Aktyubinsk, Cazaquistão, sem assinatura:
“Tov. Editor, por favor responda, o governo local tem o direito de tirar à força uma única vaca dos trabalhadores e empregados? Ao mesmo tempo, exigem um recibo de que a vaca foi entregue voluntariamente e temem que, em caso de não cumprimento, sejam enviadas para a prisão por interromper a compra de carne. Como se pode viver quando a cooperação distribui apenas pão integral e no mercado preços de mercadorias como em 1919 e 1920? Os piolhos estão presos e o sabão é dado apenas aos trabalhadores das ferrovias. Por causa da fome e da sujeira, já temos uma doença cutânea maciça.”
Krasnoyarsk r. (antigo Kamyshinsky okrug.), p. Tarasovo, Bondarenko Yakov Mikhailovich:
“Pessoas em Tarasova estão morrendo de fome, inchados de fome, e outro dia um morreu de fome. Alguns partem para Kozlov para ganhar dinheiro e comprar pão, e apenas mulheres, crianças e idosos ficaram em casa, como durante a guerra. Todos amaldiçoam o regime soviético e as fazendas coletivas e partem para a produção. Não sabemos como será a terceira primavera bolchevique, porque não haverá sementes, nem mesmo pessoas e poder de tração”.
Novocherkassk e Mines, I.P. Stepanov:
“Os sacerdotes triunfam. As igrejas estão transbordando de pessoas, as pessoas passaram a reparar seus pecados. Os membros do nosso grupo da fazenda penduravam ícones. Todos rezam a Deus pelo perdão dos pecados e pela libertação das calamidades que os atingiam: completa fome e frio nas fazendas coletivas e fora das fazendas coletivas. E nos jornais eles escrevem sobre realizações coletivas de fazendas. Eles levaram todo o grão, nem saíram para semear e, desde o pesadelo dos impostos medievais, o fazendeiro não economizava nada.
Eles arruinaram os agricultores individuais e os agricultores coletivos. Pegue a última vaca do agricultor coletivo, proíba manter o porco para consumo pessoal. Como viver A cooperação? Exceto a vodka, nada se pode vender. A fome e a imensa violência fortalecerão o poder soviético? O socialismo realmente requer o imenso sofrimento de milhões de camponeses trabalhadores, suas lágrimas, sua maldição, sua morte? Nessa situação, as forças das trevas prevalecerão na forma de igrejas lotadas e membros do partido de oração. Hoje, existem tão poucos simpatizantes do poder entre os 160 milhões de pessoas em toda a União quanto havia poucos monarquistas reais em 1917.”
Autor anônimo:
“A situação da população de Nemres deve ser reconhecida como crítica. No cantão marxista[3] — as aldeias de Zolopurt, Gatung, Shenyen — apenas 20% da população permanece. Camponeses abandonam prédios e saem para trabalhar, para nunca mais voltar. Tudo foi retirado dos agricultores coletivos e individuais, não poderemos semear os campos, não poderemos aumentar os rebanhos. Moscou deve rebocar a Nemrespublika, alimentar a população e punir todas as pragas que fizeram o deserto da fértil Nemrespublika ”.
Omsk r. Barabinsky e Slavgorodsky okr., Anônimo:
“Você escreve que a Sibéria Ocidental concluiu a compra de grãos. Em 1931, houve escassez na Sibéria Ocidental, mas as compras de grãos piores que a escassez liberaram os camponeses, e em vários locais rurais a fome começou. Camarada Molotov na XVII Conferência do Partido disse que o bem-estar das massas estava aumentando. Admitimos que os trabalhadores vivem bem em Moscou, Leningrado, nas cidades industriais, mas no vasto território da União Soviética, nas províncias e aldeias há necessidade e ruína, que só podem ser comparadas a partir de 1920. Em geral, queridos camaradas, não escrevam sobre Índia e olhe um pouco mais profundamente para si mesmo”.
A sede central, Shatalovsky r., Conselho da vila de soldados, delegou Fedoritseva:
“Embora você, camarada Stalin, seja aluno de Lenin, seu comportamento não é de Lenin. Lenin ensinou: fábricas para trabalhadores, terras para camponeses — e o que você está fazendo? Você tira não apenas a terra, mas também o gado, a cabana, os pertences dos camponeses médios e dos pobres. Se você expulsou Trotsky e o chamou de contra-revolucionário, então, camarada Stalin, você é o verdadeiro e primeiro trotskista, e estudante não de Lenin, mas de Trotsky. Porque Fomos ensinados no círculo político que Trotsky se ofereceu para construir intensamente a indústria pesada às custas do homem.[4] A acumulação inicial nos países capitalistas ocorreu às custas de camponeses carentes, artesãos arruinados e às custas dos filhos dos pobres. E a acumulação inicial em nós ocorre às custas de milhões de camponeses trabalhadores honestos, suas esposas e filhos. Exatamente a prescrição dos tubarões capitalistas, mas vinda de Trotsky e Stalin.
Você, camarada Stalin, provavelmente sente o absurdo dessa situação e, seguindo a política de Trotsky, esmagou o próprio Trotsky, agiu como uma pessoa supersticiosa que, cometendo crimes, não se culpa, mas culpa o diabo, o qual o fez cometer um crime. Você, camarada Stalin, deve saber que quebrou a aliança com a massa de 130 milhões de camponeses e que as consequências serão as mais terríveis para o regime soviético. Você nunca recuperará a confiança perdida das massas no regime soviético.”
Stan. Chamlykskaya região norte-caucasiana, agricultor coletivo, soldado do Exército Vermelho V.M. Kovalchuk:
“Eu escrevo não como um transeunte diante das dificuldades, não como um inimigo do regime soviético, mas como um homem partidário do regime. No Chamlyk r.[5] existe uma fazenda coletiva, a segunda maior da região, com 300 mil libras em aquisições de grãos, mas o problema é que essa economia socialista está derretendo como neve da primavera. Pessoas da fazenda coletiva fogem para onde quer que seja. Na fazenda coletiva, eles pegaram todo o pão e deixaram um pouco de milho, que as pessoas comem. Este é o resultado do inevitável colapso da fazenda coletiva — afinal, que ultraje! A fazenda coletiva semeia trigo e se alimenta de milho. O humor de todos é quase anti-soviético. Ora, queridos camaradas, coloquem-se no nosso lugar: coma milho seco, coloque trapos, sapatos sem solas e vá trabalhar nas estepes quando o gelo estiver a -25 graus; qualquer um de vocês se tornaria um trapaceiro, tanto que repreenderia tudo e todos.
Aqui está um exemplo. No nosso acampamento. Existem 13 mil hectares de terras em Chamlyk. Antes da revolução, havia 12 mil pessoas e agora diminuiu para 8 mil pessoas. Como resultado, a colheita ficou comprometida e milhares de hectares de diferentes culturas apodrecem nas estepes, cobertas de ervas daninhas. As pessoas se revoltam e desconfiam das intenções comunistas, a célula perdeu credibilidade. Membros do partido também. Agora há um contrato de cúria, isso também aumenta a raiva entre os camponeses. Das pessoas que lutavam pelo poder soviético, hoje se colocam contra o poder soviético, porque levaram do pão ao grão, não têm nada para comer. Todas as noites, 7 a 10 famílias fogem da vila. É o melhor a fazer.
Território de Sredne-Volzhsky, fazenda coletiva Rozhdestvensky-Baevsky do Saransk okrug. Ichalkovsky r., Camponês médio de baixa potência A.P. Kokurin:
“Eu tenho uma família de 9 pessoas e o que eu tinha antes da fazenda coletiva. Eu tinha todos os alimentos em quantidades suficientes: combustível, roupas e calçados. Tinha um cavalo e três cabeças de ovelha. Entreguei 20 libras para o estado, 40 pud (medida de peso do sistema Imperial Russo, abolido em 1924 — 1 pud = 16 quilos) de centeio, milho, aveia, batata, cânhamo. Trabalhei em uma fazenda coletiva. Conscientemente ganhei 355 dias úteis, mas não como pão, mas palha e batatas. Não temos solas suficientes. Meus filhos ficaram pretos. Caros editores, é possível sair da fazenda coletiva em vez de morrer?
Região ocidental., Toropetsky r., Conselho da vila Krasnoselsky, vila Vapyaevo, M. Golubev, Sedotov, I. Lukin, Vasiliev, Sysoev, Trofimov:
“Nós, pobres e camponeses do meio, reclamamos da situação em que estamos. As autoridades locais exageram na lucratividade das fazendas e cobram impostos excessivos que chegam a 155-200 rublos. Isso não é tudo, há outras coisas que parecem erradas para nós. Se o Sr. quer ganhar dinheiro, o conselho da vila não dá um certificado e a pessoa é escravizada pelo conselho da vila. Assim fica impossível pagar impostos e, se quiser ganhar algum dinheiro para pagar, é detido no local. Os membros do conselho da vila andam pela cidade para distribuir impostos e todos os tipos de espaços em branco, quebrar fechaduras penduradas no prédio, quebrar os baús e levar o que precisam. Com tais atos, discussões e até brigas surgem, e não são os estupradores que quebram as fechaduras dos prédios de outras pessoas que são presos, mas aqueles que se defendem que estão sendo presos.
Dizem ao nosso único homem: ‘Você é um oportunista, está em cativeiro, deve fazer o que lhe dissermos’ e todos dizem a mesma coisa: ‘pague e pague’. Ninguém se recusa a pagar, e é bom pagar quando o pagamento é viável, mas, afinal, por quatorze anos, enquanto vivemos no regime soviético, aprendemos a respeitar a lei, ficamos satisfeitos com o tratamento que o governo soviético veio até nós e sabemos que o que estava acontecendo não é a lei não é uma política do governo soviético. Em nome da coletivização, turbulência, devastação, violência e ilegalidade reinaram nas aldeias. Quando um vereador ou ativista da vila caminha pela vila, as crianças se escondem horrorizadas atrás de suas mães, e mulheres rastejam para dentro do porão. Onde se candidatar, quem é o punho e é possível oprimir e considerar como o punho os homens simples e esforçados que têm alimentado a vida toda à custa do corpo caloso e do suor? ”
O oximoro de Stalin
Um argumento muito comum na internet é de que, apesar da repressão, o período de Stalin teria sido marcado por importantes conquistas sociais, políticas e econômicas.
A historiadora Wendy Goldman chamou esse contexto de oximoro de Stalin. O que ela demonstra é que, de um lado, o governo de Stalin foi marcado sim pela modernização econômica, porém, de outro, houve forte retrocesso nas conquistas sociais da Revolução de 1917, em praticamente todas as áreas.
O Aborto voltou a ser proibido. A família tradicional reestabelecida. A homossexualidade criminalizada, de forma ainda mais intensa que no período czarista.
Quanto à perseguição aos homossexuais, os neostalinistas alegam que os países capitalistas também faziam o mesmo. Ora, se é para fazer a mesma coisa que os países capitalistas fazem, então seria melhor não fazer revolução alguma. “Isso é anacronismo”, dirão os neostalinistas.
Olha como os argumentos são contraditórios e mudam conforme a conveniência. No caso da fome na Ucrânia, ora eles dizem que não houve fome, ora que houve mas a culpe é do clima e ora que a culpa seria das vítimas. Aqui também há essa “flexibilidade” argumentativa. Num primeiro momento, eles dizem que a URSS teria sido pioneira nos direitos civis. Quando verificamos se tratar de mais uma mentira, eles aparecem com essa história de “anacronismo”.
Ignoram, porém, que o anacronismo consiste em atribuir a determinada época ideias que seriam de outro período. Esse é o ponto. Os retrocessos do período stalinista foram em relação às conquistas de 1917. Tais ideias, portanto, não são anacrônicas porque elas já estavam na pauta política antes mesmo de Revolução Russa.
Todavia, os defensores de Stalin negam e citam a Constituição de 1936 como pioneira na garantia dos direitos individuais. O que isso garante, de fato? A Constituição brasileira diz que toda criança tem direito à educação pública, gratuita e de qualidade. O mundo real é muito diferente, não?
O movimento realizado durante o período de Stalin foi contrário ao reivindicado pelos neostalinistas. Ao longo do século XIX, os movimentos socialistas estavam intimamente ligados à defesa dos ideais democráticos. Mais uma vez é Eric Hobsbawm quem nos esclarece essa questão: “o sistema político soviético, depois transferido para o resto do mundo socialista, rompeu decisivamente com o lado democrático dos movimentos socialistas, embora mantendo com eles um compromisso cada vez mais acadêmico em teoria”. (Era dos Extremos: pp 376).
Esse compromisso teórico era a Constituição. É preciso entender que a Constituição soviética era uma peça de propaganda. Nada mais do que isso. Aliás, como marxistas, eles deveriam estar mais preocupados com as condições materiais e não apenas repetindo de forma acrítica a letra constitucional.
Um exemplo de como a Constituição soviética era uma ficção. Ela garantia, por exemplo, a liberdade de expressão. Você conhece algum cidadão soviético que fazia críticas ao regime abertamente e que não tenha sido fuzilado ou enviado para um gulag? Não conhece porque não existe.
No Capítulo X, artigo 128, está escrito: “é garantido a inviolabilidade de domicílio e a inviolabilidade da correspondência são também garantidas pela lei”. Porém, sabe por qual motivo Alexander Soljenítsin foi preso? Ele escreveu cartas que continham críticas ao governo.
Então quem diz que a URSS, na época de Stalin, foi pioneira na questão da liberdade individual, do combate ao racismo, entre outras coisas, estaria apenas repetindo o que era dito pela propaganda oficial do regime?
A Constituição soviética, ao mesmo tempo em que estabeleceu a igualdade formal entre os cidadãos, condicionava tais garantias aos chamados “interesses da classe trabalhadora, com o fim de fortalecer o sistema socialista”. Ou seja, na prática, a aplicação da lei dependia de quem a interpretava. Segundo números do historiador Keblay, entre 1934/9 cerca de 5 milhões de membros e funcionários do partido bolchevique foram presos por motivos políticos e, desses, muitos foram fuzilados sem terem sidos julgados previamente: “o próximo (18º) Congresso do Partido, que se reuniu na primavera de 1939, continha míseros 37 sobreviventes dos 1827 delegados que tinham estado presentes no 17º em 1934”. (Era dos Extremos: pg 381)
O historiador marxista Eric Hobsbawm ainda lembra:
“A Constituição soviética de 1936 é, no papel, uma típica constituição democrática, com tanto espaço para eleições multipartidárias quanto, digamos, a Constituição americana. Tampouco era isso uma fachada, pois grande parte dela foi escrita por Nicolai Bukharin que, como velho revolucionário marxista pré 1917, sem dúvida acreditava que esse tipo de constituição servia a uma sociedade socialista.” (Era dos Extremos: 376).
O curioso é que até mesmo historiadores citados pelos neostalinistas como “fonte confiável” confirmam o caráter anti-democrático do período stalinista, caso do historiador estadunidense Arch Getty:
“Muitos que enalteceram a União Soviética de Stálin como o país mais democrático do mundo viveram para lamentar suas palavras. Afinal, a Constituição de 1936 foi adotada na véspera do Grande Terror do final da década de 1930; as eleições ‘completamente democráticas’ para o primeiro Soviete Supremo permitiram apenas candidatos incontestados e ocorreram no auge da violência selvagem de 1937. Os direitos civis, as liberdades individuais e formas democráticas prometidas na Constituição de Stalin foram pisoteadas quase imediatamente e permaneceram como cartas mortas até muito tempo depois da morte de Stalin.” (State and Society Under Stalin: constitutions and Elections in the 1930).
Eis uma das fontes dos neostalinistas. O que nos faz perguntar: será que os neostalinistas não lêem suas próprias fontes? Da mesma forma que não leram o Stephen Wheatcroft, eles também não conhecem o trabalho do Arch Getty. Por isso que eles dão várias voltas e acabam sempre citando o Losurdo.
Sobre o crescimento econômico da URSS

Mas houve crescimento econômico, não? Os neostalinistas dizem que Stalin pegou um país feudal e o transformou na segunda maior potência mundial.
Dizer que a Rússia era feudal, ou semifeudal, não está correto. Mas é inegável que houve considerável crescimento econômico no período de Stalin. No entanto, se o critério for apenas o crescimento, independentemente dos custos humanos, seria preciso ser coerente nas análises. O capitalismo transformou a Europa agrária em um continente industrial. E fez tudo isso do zero. Israel foi construído no meio do deserto e em 50 anos virou uma potência.
Por que quando falamos dos países capitalistas olhamos o lado do sofrimento trazido pelo progresso e quando o assunto é a URSS nós esquecemos desse mesmo sofrimento para falar apenas nos ganhos materiais? Essa forma de análise não vai justamente contra o ideário marxista?
Sim, o modelo stalinista, baseado na economia planificada, mostrou-se eficiente para desenvolver economias atrasadas. Porém, no momento que esses países se industrializavam, o modelo perdia eficiência e entrava em crise. Hobsbawm propõe uma metáfora muito interessante para entender esse movimento. Segundo o historiador, era como se um condutor entravasse num veículo e pisasse fundo o pé no acelerador e, no momento em que o automóvel atingisse 100 km/m, o freio fosse acionado até o veículo retornar a inércia. Por isso todas as economias centralmente planejadas entraram em crise após a década de 1960. A maioria delas ou desapareceram ou passaram por profundas reformas.
Em um primeiro momento: “enquanto a economia permaneceu no nível de semi-subsistência e teve apenas de estabelecer a fundação da indústria moderna, esse sistema, tosco e improvisado, desenvolvido sobretudo na década de 1930, funcionou”. (Hobsbawm, pp 372).
Porém, em um segundo momento: “o motor de desenvolvimento soviético era construído de modo mais a diminuir a velocidade do crescimento do que a acelerá-la quando, depois de veículo avançar a certa distância, o motorista pisasse fundo no acelerador. Seu dinamismo continha o mecanismo da própria exaustão”. (Era dos Extremos: 376).
É preciso considerar também que o capitalismo se beneficiou de um processo anterior de “acumulação primitiva”, baseado amplamente na mão de obra escrava. Contudo a URSS também usufruiu amplamente do trabalho compulsório. Segundo os historiadores, em quase cinco séculos de escravidão, foram enviados cerca de 12 milhões de africanos escravizados para o continente americano. O historiador Van der Linden, estimou que a economia soviética dependia de uma força de trabalho entre 03 e 13 milhões de prisioneiros (essa estimativa é citada também por Hobsbawm).
Os gulags nada mais eram que campos de trabalho forçado, ou seja, escravo. Sem falar nos camponeses que foram aprisionados novamente a terra, como na época da servidão. “Muito pouco se pode dizer em favor da política camponesa e agrícola, a não ser que os camponeses não foram os únicos a carregar o fardo da “acumulação primitiva socialista”, como se tem dito. Os trabalhadores também arcaram com parte do fardo da geração de recursos para investir no futuro” (Era dos Extremos: 373).
Passando pano na violência do Estado soviético
“Não contaremos aqui como se comportaram antes do fuzilamento os outros velhos companheiros de Lênin, mas Bukharin teve um comportamento digno. Pediu papel e caneta para escrever a Stalin pela última vez. Seu desejo foi atendido. A carta começa assim: ‘Koba, para que lhe servia a minha morte?’. Stalin conservou durante a vida essas últimas linhas numa gaveta na escrivaninha.
A morte de Bukharin, Rykov, Krenstinski e os outros foi apenas um dos espantosos crimes de Stalin contra o Partido, contra o povo soviético, contra o movimento comunista internacional. Um crime que jamais poderá ser esquecido.” (Roy Medvedev: Os últimos anos de Bukharin)
Outro argumento muito utilizado pelos neostalinistas para justificar as arbitrariedades da URSS é o de que a violência faz parte dos processos revolucionários e a Revolução Russa não seria muito diferente das outras experiências revolucionárias.
Todas as argumentações deles seguem basicamente o mesmo roteiro. Elas sempre começam com uma digressão vaga sobre a relação entre revolução e violência, dizendo que toda mudança brusca acirra os conflitos políticos e, portanto, a violência seria o substrato do processo revolucionário. Partindo desse truísmo, eles lembram que as revoluções liberais também foram violentas e, por fim, desviam completamente o foco passando a criticar a hipocrisia das sociedades capitalistas, que recorreram sistematicamente à violência ao longo da história.
Essa estrutura narrativa nada mais é que uma estratégia retórica para não precisar explicar certos crimes cometidos durante o stalinismo. Se você abrir, por exemplo, o capítulo da Era dos Extremos a respeito do “socialismo real”, irá reparar que ele começa com a seguinte frase: “Quando se assentou o pó das batalhas de guerra e guerra civil no início da década de 1920, e congelou-se o sangue dos cadáveres e das feridas”.
Essa frase forte não é por acaso. O que Hobsbawm está mostrando é que a guerra revolucionária, naquele momento, havia terminado. A contra-revolução havia sido esmagada. O inimigo estava controlado. Até a geopolítica, muitas vezes citada, em 1928, não era uma ameaça tão grande quanto seria nos anos seguintes, após a ascensão no nazismo.
Em 1928/9, anos em que Stalin iniciou a chamada revolução pelo alto, não havia guerra em lugar nenhum. A guerra civil russa tinha acabado há seis anos. A burguesia estava derrotada, assim como a contra-revolução. O nazismo vivia seu pior momento, amargando resultados eleitorais pífios. E, desde o Tratado de Rappalo, a Alemanha era a principal parceira diplomática da URSS. Sem falar que a Europa, incluindo a Alemanha, estava em processo de recuperação econômica, após o caos social provocado pela Primeira Guerra Mundial.
Então, qual foi o motivo da violência desses anos iniciais? De acordo com o historiador Kevin Murphy, o recrudescimento do autoritarismo stalinista foi uma resposta à crise social vivida durante a fase final da NEP:
“O Primeiro Plano Quinquenal iniciado retrospectivamente no último quarto de 1928 representou um ponto de virada fundamental na história soviética. Os complexos debates econômicos durante a NEP se centraram em acumular capital suficiente pelo aumento de impostos para camponeses supostamente ricos. A brutal coletivização e industrialização de Stálin foi nada menos que um ataque total tanto para a classe trabalhadora, como para o campesinato, para que ambos pagassem pela industrialização.”[7]
Posteriormente, durante o Terror, o perigo do nazismo era real, porém, se olharmos para as pessoas que foram perseguidas, é fácil perceber que esse não foi o principal motivo. Se Stalin queria se preparar para guerra, por qual motivo ele mandou prender ou executar 13 dos 15 generais de quatro estrelas do Exército Vermelho, incluindo figuras experientes, como o general Mikhail Tukhachevsky, herói da guerra civil? Fica claro que Stalin estava eliminando possíveis concorrentes e consolidando seu poder. Apenas isso explica o fato do Terror ter sido concentrado nas principais lideranças bolcheviques de 1917. O termo “o partido dos fuzilados” não é exagero.
Stalin pior que Hitler e Pinochet?
Apesar de toda a violência, repressão e traição aos ideais socialistas, seria contraproducente afirmar que Stalin era como Hitler ou mesmo pior que Hitler ou Pinochet. Aliás, é um tipo de comparação estéril. Não dá para medir maldade. Mas sem dúvida o Terror stalinista foi muito mais profundo que a ditadura chilena. Basta olhar os números. Em cerca de duas décadas, foram mortas pelo menos cerca de 3.000 chilenos. Durante apenas dois anos do Terror, 36/7, segundo os números oficiais da própria NKVD, 680 mil russos seriam executados. Mesmo em termos proporcionais, é fácil perceber que a repressão na URSS da década de 1930 foi muito mais profunda do que a experiência chilena, o que, obviamente, não diminui em nada a crueldade e a brutalidade do regime de Pinochet.
As vítimas do stalinismo foram em sua maioria camponeses pobres. Depois foram intelectuais, comunistas, militares e, sobretudo, as minorias étnicas. Um assunto pouco comentado, mas que tem sido estudado após a abertura dos arquivos soviéticos, é o antissemitismo. Sim, os judeus também foram perseguidos.
O clima era de paranoia e as minorias eram vistas como suspeitas de estarem colaborando com o inimigo. Durante os anos de Stalin foram praticadas cerca de 50 limpezas étnicas. Um dos exemplos mais famosos foi o dos Tártaros da Crimeia, mas até as Testemunhas de Jeová foram perseguidas.
Aliás, esse é o motivo dos neostalinistas sempre buscarem refúgios em conceitos abstratos e genéricos quando discutem o assunto. Sim, revoluções são violentas. Mas nesse caso a violência foi praticada por um exército contra trabalhadores miseráveis.
Como explicar, por exemplo, a infame ordem 00447, de agosto de 1937, que estabelecia cotas de pessoas que deveriam ser fuziladas? Sim. Cotas! Stalin planificou a morte de seres humanos. Segundo o documento, que hoje é público, 250 mil pessoas deveriam ser presas e outras 70 mil fuziladas. Não importa quem eram essas pessoas, o que importava eram os números. Há relatos que aldeias tiveram que fazer sorteios para escolher quem seriam os seus fuzilados. Outras simplesmente mandaram os idosos, deficientes e membros das minorias étnicas estigmatizadas.

A insanidade era tanta que a repressão muitas vezes chegava aos familiares dos presos. Trotsky, Kamenev e Zinoviev tiveram praticamente todos os seus parentes mortos, mesmo sendo a maioria não envolvida com política. Durante o massacre da floresta de Katyn, os prisioneiros que seriam assassinados puderam escrever cartas aos parentes. O que eles não sabiam é que o objetivo era apenas descobrir o endereço dessas pessoas que, marcadas, também terminariam sendo eliminadas.
A brutalidade foi surreal. Por isso que os neostalinistas sempre fogem desses assuntos e tentam interditar o debate atacando seus interlocutores de forma agressiva. A realidade é muito dura para eles.
“Estes números não contam toda a história do que significou o stalinismo. Eis o que aconteceu com Isaac Rubin, economista menchevique e autor de Uma História do Pensamento Econômico. Em janeiro de 1931, um prisioneiro foi exibido para Rubin e lhe foi dito que se não confessasse ser um membro de uma organização menchevique contrarrevolucionária, este prisioneiro seria morto. Rubin se negou e o prisioneiro foi executado diante de seus olhos. O processo se repetiu na noite seguinte. Depois do segundo assassinato, Rubin negociou uma “confissão” com seus inquisidores, sendo que estes insistiram que ele implicasse seu mentor David Riazanov como membro de uma conspiração menchevique secreta. Rubin foi completamente destruído como pessoa e finalmente executado em 1937.49 Ataques similares se deram contra todas as tendências de oposição existentes fora e no interior do Partido Comunista, incluindo a execução de todo oposicionista trotskista no Gulag de Vorkuta em 1937.” (idem)
O mito da coletivização que só desapropriou os ricos
Não existia uma classificação clara do que seria um Kulak, de modo que um camponês poderia ser classificado como Kulak ou não dependendo da conveniência:
“Os Kulaks, nessa época, eram camponeses proprietários de, no máximo, 10 hectares de terra e duas ou três vacas. A mão de obra era familiar, acrescida de dois ou três trabalhadores assalariados – cujo total não ultrapassava de 10 pessoas. Stalin, no entanto, descrevia os Kulaks como ‘classe exploradora’ e como ‘último bastião do capitalismo.” (Jorge Ferreira: O Socialismo Soviético, pp 85)
Havia também a classificação de subkulak, que eram camponeses sem nenhuma posse, mas que, teoricamente, estariam sendo influenciados pelos Kulaks. Esses também seriam fuzilados.
“O argumento de que a coletivização era uma batalha entre o Estado dos soviets e os camponeses ricos, ‘kulaks’, está hoje completamente refutado. O livro de Moshe Lewin sobre a coletivização mostrou que ‘kulak’ era uma propaganda e não um termo econômico, usada com frequência para os camponeses médios e mesmo pobres, e que significava coletivização por meios violentos ‘contra setores inteiros das massas camponesas em geral’. Como argumenta o líder da Federação Socialista Russa, ‘se não possuímos kulaks, precisaremos arranjar alguns por nomeação’. Um estudo sobre os relatórios da polícia secreta para Stálin mostra que em 1924 esta ainda simpatizava com a situação dos camponeses, mas os relatórios cada vez mais hostis ilustram que a polícia secreta havia perdido fé em sua própria propaganda, que o termo ‘kulak’ passou a ser intercambiável com ‘camponeses’. Reuniões nas vilas frequentemente nomeavam viúvas, pessoas idosas e mesmo aleatoriamente para preencher a cota de 5% de ‘deskulakização’ da polícia secreta.” (Kevin Murphy)
O acordo entre Stalin e Hitler
Segundo os neostalinistas foi uma medida emergencial, uma vez que os países europeus haviam negado qualquer forma de aproximação em relação a URSS, esperando que Stalin entrasse em guerra com Hitler.
Isso é verdadeiro. Mas não é toda a verdade. Stalin também buscou tirar proveito da situação de forma pragmática. Quando a Polônia estava para ser invadida, ele poderia ter se aproximado da França e freado os planos de Hitler. Mas não. Preferiu se aliar aos nazistas na invasão da Polônia. Foi um brutal erro de cálculo político, que resultaria em 27 milhões de russos mortos.
Os neostalinistas costumam chamar de “revisonismo histórico” tais fatos, com a seguinte narrativa:
“No decorrer do livro, Rees tenta mostrar seus talentos como analista e passa a escrever uma espécie de perfil psicológico de Stálin. O soviético é tratado como um louco, paranoico e psicopata; um sujeito que não confia absolutamente em ninguém, desconfiando até dos seus colaboradores mais íntimos e aparentemente amigos – segundo o perfil delineado por Rees, Stálin era paranoico demais para ter amigos. Porém, numa virada inexplicável, o ser humano extremamente paranoico passa a confiar cegamente que Hitler seria fiel ao Pacto de Não-Agressão Germano-Soviético assinado há pouco tempo.
Nosso historiador não vê qualquer contradição em descrever Stálin como o sujeito mais paranoico do mundo e afirmar que ele acreditava piamente em Hitler. No livro de Rees, não se encontra uma análise séria sobre o quadro geopolítico dos anos 1930 no mundo, em especial o da Europa, tampouco uma crítica do significado histórico e político do tal projeto nazista e soviético. Tudo é apresentado como se o Pacto Germano-Soviético fosse produto de uma atração entre dois ditadores, entre dois sistemas totalitários.”[8] (Jones Manoel)
Essa narrativa é, na verdade, uma caricatura. O Ress não diz nada disso, e provavelmente esta é a razão do texto não ter sido citado. O que o Ress diz é que Stalin não esperava o ataque nazista naquele momento porque a URSS estava ajudando no esforço de guerra nazista, fornecendo armas e matérias-primas, e não porque Stalin confiava em Hitler. O cálculo era lógico. Hitler precisava da URSS para manter a guerra contra a Inglaterra, portanto, não haveria motivo para atacar o país naquele momento. Mais uma vez, basta abrir o livro para ver que o texto é apresentado pelo youtuber de forma caricata a manipulada.
“Se você não fala alemão hoje, agradeça ao comunismo”
O alemão é a língua mais falada da União Européia; em torno de 95 milhões falam alemão em países que vão além da Alemanha, como Suíça, Áustria, em parte da Itália, da Bélgica, da França e no principado de Liechtenstein. Ninguém em sã consciência comemoraria não falar alemão, assim como qualquer outra língua, com exceção dos neostalinistas, claro. Esse “argumento” deles talvez seja o mais bizarro.
Tem um vídeo muito compartilhado, de outro youtuber neostalinista, chamado João Carvalho, em que ele diz, de forma pausada, como se fosse uma dedução extremamente aguçada, essa falácia, algo como “se você não gosta de Stalin, saiba que, se não fosse por ele, todos nós estaríamos falando alemão”. Isso é um absurdo tão grande que chega a ser constrangedor comentar tal declaração. Aliás, declarações desse tipo servem como alerta para demonstrar o perigo da cegueira ideológica. Esse João Carvalho não é um Paulo Kogos da vida. Ele parece ser uma pessoa bem informada e perspicaz. Mas quando entra nessas questões, fica difícil perceber as diferenças entre ele e outros grupos fundamentalistas.
Mas vamos aos fatos. Hitler nunca teve plenos de invadir a América Latina e, se tivesse, não teria condições. Não custa lembrar que ele sequer conseguiu cruzar o Canal da Mancha. Os alemães nunca tiveram a supremacia nos mares. Imagina deslocar tropas para a América Latina, sem um único ponto de apoio. E mesmo que tudo isso não sirva para convencer o fã clube da Stalin, não custa lembrar que, em 1945, apareceu um artefato chamado bomba atômica. Se, naquele momento, Hitler não tivesse destruído, a energia nuclear terminaria o serviço.
A verdade é que o projeto nazista era impraticável. As vitórias iniciais da Wermacht só foram possíveis porque a economia da Alemanha já havia sido direcionada para o esforço e guerra nos anos anteriores. Na URSS, os nazistas também foram beneficiados pelos expurgos ocorridos no interior do Exército Vermelho. Hoje há levantamentos, como o feito pelo historiador Paul Kennedy, que fundamentam a possibilidade de que os nazistas poderiam ter sido vencidos por apenas dois países: URSS e EUA.
Portanto, o projeto hitlerista estava fadado ao fracasso desde o início. Não corremos o perigo de falar alemão, muito pelo contrário, o expansionismo do Terceiro Reich serviu apenas para fortalecer o nacionalismo brasileiro. Trata-se de mais uma falácia construída pelos neostalinistas.
E a Hannah Arendt?
E o Lula? Mas falando sério, será que ela não era financiada pela CIA, como afirmam os neostalinistas? Não há provas disso. É fato que os livros dela foram divulgados pela CIA, inclusive sendo traduzidos para outros países com dinheiro da agência, mas não há evidência alguma de que ela recebeu para escrever contra o regime soviético. Aliás, quando o livro Origens do Totalitarismo foi escrito, sequer havia começado a chamada Guerra Fria cultural.
O papel do “socialismo real” no combate ao Imperialismo

Os neostalinistas costumam dizer que, graças a países como a URSS e a China, muitos povos foram verdadeiramente libertados do jugo colonial. Será que isso é verdade?
Infelizmente, também nesse aspecto, a história não é tão esquemática. Tanto a China Quanto a URSS eram orientadas pelo realismo político. Stalin não apoiou, por exemplo, a Revolução Chinesa. “Durante as longas lutas da China contra o Japáo, nas décadas de 1930 e 1940, Stálin deplorava o potencial das forças comunistas e depreciava a estratégia rural, baseada em camponeses, de Mao. Nesse ínterim, Moscou manteve laços oficiais com o governo nacionalista. No fim da guerra contra o Japão, em 1945, Stalin obrigara Ching Kai-shek a conceber privilégios à União Soviética na Manchúria e em Xianjiang, comparáveis aos que haviam sido conquistados pelo regime czarista”. ( Henry Kissinger: Sobre a China).
Após a Revolução, quando Mao procurou Moscou em busca de apoio, Stálin faz as mesmas exigências citadas por Kissinger:
“O preço que a China teve que pagar era exorbitante: minerais, ferrovias e outras concessões na Manchúria e em Xinjiang; o reconhecimento da Mongólia Exterior; o uso soviético do porto de Dailan; e a utilização, até 1952, da base naval de Lushun. Anos mais tarde, Mao ainda se queixava amargamente para Krushchev sobre a tentativa de Stalin de estabelecer “semicolonia” na China por meio dessas concessões” (idem).
Kissinger também explica o motivo das relações diplomáticas entre URSS e China terem sido tão conflitantes desde o início: “ele (Stálin) compreendia a significação geopolítica da vitória comunista na China; seu objetivo era manipular as consequências disso e se beneficiar de seu impacto” (idem).
Para quem achar que Henry Kissinger é uma voz sem credibilidade neste debate, com a palavra o professor Paulo Vizentini, ligado ao PCB:
“A URSS mantinha um comportamento tático nas Relações Internacionais e agia nos moldes da diplomacia tradicional, silenciando acerca do massacre inglês contra os comunistas gregos, procurando conter a revolução comunista dos chineses e iugoslavos e incentivando os comunistas italianos e franceses a participar de governos de coalizão, ajudando na reconstituição capitalista nesses países”. (A Guerra Fria: o desafio socialista à ordem americana, página 66).
Essa estratégia seria comum dentro dos dois blocos. Durante o período da detente, por exemplo, aconteceria um processo que o embaixador brasileiro, Araújo Castro, denunciaria na ONU, de “congelamento de poder global”. Ou seja, as duas superpotências, EUA e URSS, passariam a firmar acordos que visavam não o enfrentamento bipolar, mas, como no caso do controle das armas nucleares, evitar que novas forças colocassem em risco a supremacia deles no interior dos respectivos blocos de poder.
A China não fica atrás. Diante desse conflito com a URSS, Mao buscou apoio nos EUA de Nixon. E junto com o novo parceiro, para enfraquecer a URSS, faria oposição a quase todos os movimentos de libertação nacional da década de 70/80. Na guerra civil de Angola, por exemplo, a China ficaria do lado da FLNA e, depois, da UNITA, rival dos comunistas do MPLA, e aliados dos EUA e do regime racista da Africa do Sul. Também não seria abalada com o golpe de Pinochet no Chile e continuaria mantendo relações comerciais normais com a ditadura daquele país. Esses são apenas alguns exemplo.
Por fim, uma última questão, por que a esquerda precisa fazer um balanço critico dos seus erros?
É importante sempre fazer balanço crítico de tudo, mas quando falamos dos próprios erros, a crítica é uma obrigação. A esquerda precisa ser orientada por valores éticos, não pelo culto à personalidade, por isso é fundamental deixar claro que os valores defendidos durante o stalinismo são opostos aos assumidos atualmente pelos setores progressistas da sociedade.
Tal crítica pode fortalecer o anti-comunismo, dirão alguns. No entanto, o que o discurso anticomunista diz? Que haveria uma linearidade entre os crimes da Stalin, a Revolução Russa e o pensamento de Marx, para daí concluir que o próprio marxismo e quaisquer outras vertentes socialistas são perigosas e devem ser proibidas, tendo o mesmo status infame do nazismo.
Pois bem, ao chamar o stalinismo de “marxismo-leninismo”, esse pessoal não estaria justamente confirmando a conclusão dos anti-comunistas? Quem estaria reforçando o discurso liberal de fato? Aqueles que propõem outra interpretação, sem apelar para o negacionismo tacanho, ou quem reafirma a continuidade histórica entre Marx, Lênin e Stalin?
Por fim, uma contradição dos neostalinistas que é digna de nota. Eles estigmatizam uma suposta historiografia ocidental, mas citam apenas autores estadunidenses e europeus, como Losurdo e Ludo.
Sim. E chamam de ocidentais nomes como Oleg Khlevniuk, Roy Medvedev e Svetlana Alexijevich.
Pois é. Pelo visto, até a geografia deles é fake.
Notas e referências
[1] Data da data de recebimento das cartas
[2] A seguir, saídas de documentos
[3] Assim no texto. No livro de referência da divisão administrativo-territorial da URSS, o cantão não é indicado.
[4] Na realidade, os pontos de vista de L.D. Trotsky sobre a modernização da economia soviética nada tinha a ver com a industrialização realizada pelos stalinistas com base na coletivização forçada. Em particular, ele não concordou com um de seus principais apoiadores ideológicos, E.A. Preobrazhensky, o qual apresentou a idaia da “lei da acumulação socialista inicial” devido ao assalto ao campesinato como condição principal para o envolvimento acelerado do capital do Estado na indústria. Trotsky enfatizou que é necessário considerar a interação da lei do valor, que regula o setor privado, e a lei da acumulação capitalista “no contexto da economia mundial”. Ao mesmo tempo, ele astutamente apontou o perigo de que, caso contrário, a abordagem metodológica de Preobrazhensky seria “transformada em uma perspectiva econômica completa” do modelo de desenvolvimento econômico e político fechado, desenvolvido por Stalin a partir do final de 1924. (Estudos históricos na Rússia. Tendências recentes. M., 1996. S. 106).
Deve-se lembrar que a “oposição unida” acusada pelos stalinistas de “radicalismo de esquerda”, depois de Trotsky propôs ao Décimo Quinto Congresso do PCUS (B.) Medidas destinadas a usar estoques de grãos acumulados pelos camponeses, mas dentro da estrutura da NEP. Com base no saldo da CSB, eles consideraram apropriado “providenciar a remoção dos prósperos estratos de kulak, aproximadamente 10% das famílias camponesas, por empréstimo de pelo menos 150 milhões de libras”. Foi proposto exportar esse pão para o mercado externo, adquirir equipamentos industriais e, assim, dar um forte impulso ao processo de industrialização. Ou seja, era um empréstimo, embora forçado, mas não sobre a apreensão de todo o excedente de pão dos camponeses com a ajuda de “medidas de emergência”. No futuro, quando novas empresas forem colocadas em operação, cujos produtos foram destinados a atender às necessidades rurais,(A tragédia da vila soviética. T. 1. S. 19).
[5] Assim, no texto. No diretório da divisão administrativo-territorial da URSS a região não é indicada.
[6] Em 13 de fevereiro de 1932, a Izvestia postou uma nota de seu próprio correspondente no jornal afogado em Varsóvia, onde, citando materiais do jornal monarquista Slovo em 2 de fevereiro, a agricultura de Vilensky foi comparada a um homem afogado que nem estava tentando sair da água . A nota citava citações sobre a pobreza e a ruína dos camponeses, as atrocidades dos oficiais de justiça, o desemprego nas cidades e a falta de recursos para a população.
[7] Revista Movimento — As origens e os significados do stalinismo
[8] Blog da Boitempo — Contra o revisionismo histórico: o pacto de não agressão germano-soviético e a Segunda Guerra Mundial