Toda pessoa que trabalha ou já trabalhou sob regime celetista sabe da existência do FGTS, mas poucos sabem como ele de fato funciona. Esse desconhecimento abre espaço para aqueles que não querem exatamente o bem do trabalhador, que se aproveitam dessa oportunidade para iniciar um discurso enganoso contra o FGTS, bombardeando-o com “críticas” supostamente baseadas em “lógica” e em “estudos econômicos”. Assim temos mais um motivo pelo qual seria interessante você continuar lendo este texto: você precisa estar bem informado sobre o FGTS para não ser ludibriado quando o discurso desses caras chegar até você.
Portanto, vamos falar um pouco sobre o FGTS desde sua origem, contando um pouco de sua história, sua função, seu funcionamento e seus problemas. Então sente-se, acomode-se, e leia com atenção as próximas linhas deste texto, porque o que será tratado nele tem a ver com o seu trabalho, o seu futuro, a sua vida.
História do FGTS

O FGTS surgiu como substituto da Estabilidade Decenal, a qual garantia ao trabalhador celetista uma estabilidade no emprego após 10 anos de vínculo empregatício com uma empresa.[1] Se demitido antes desse tempo, lhe era devida uma indenização correspondente ao valor de um mês de salário para cada ano de trabalho. Logo, poderíamos dizer que o trabalhador da iniciativa privada, ao completar o decênio, poderia usufruir de estabilidade como usufrui um funcionário público, isto é, o empregador não poderia demitir seus empregados facilmente, a não ser por justa causa e ainda pagando o dobro do valor referente à indenização devida aos empregados demitidos antes do decênio. Os patrões não gostavam disso e era comum eles demitirem propositalmente seus empregados antes de completarem 10 anos de trabalho, para depois os contratar novamente ou contratar novos empregados.[2]
Naturalmente, no período também existia uma pressão dos empregadores contra o governo para mudar essa lei. Soma-se a isso que, nessa época, o trabalhador não contava com nenhum fundo de amparo ao ficar desempregado, o que levava a uma rápida degradação da sua qualidade de vida e de seus dependentes. Isso gerava uma constante insatisfação dentro da classe trabalhadora, já que, quando caía no desemprego, via a sua família caindo numa situação de miséria em um curto espaço de tempo sem nada poder fazer, o que a aproximava ainda mais das causas socialistas.
Essa situação, obviamente, era um risco para a ditadura militar, a qual ficou sob pressão tanto por parte da classe patronal, quanto da classe trabalhadora. Foi para resolver esse impasse que o então ministro do Planejamento do governo Castelo Branco, o liberal Roberto Campos, criou o FGTS, implantado pela Lei nº 5.107 em 1966[3].
E aqui cai por terra o primeiro “argumento” contra o FGTS, de que ele é uma criação “socialista”. Nada mais falso. O FGTS foi criado durante a ditadura militar e por um liberal, o economista Roberto Campos, para atender a uma exigência da classe patronal, mas tendo o cuidado de não deixar a classe trabalhadora sem amparo, evitando assim uma revolta popular.
O novo regime pelo FGTS, no entanto, não invalidava o anterior, de estabilidade decenal, e aos trabalhadores era garantida a escolha por um dos dois regimes, bastando declararem na Carteira de Trabalho o regime escolhido. Essa liberdade de escolha permaneceu até a publicação da Constituição Federal de 1988, quando então foi definitivamente extinta a estabilidade no emprego após o decênio para os empregados regidos pela CLT.
Como funciona o FGTS
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, como o próprio nome diz, foi criado para garantir uma renda em caso de emergência ou para ser aplicado em patrimônio, no caso, na aquisição ou financiamento de uma casa própria. É um direito válido para todos os trabalhadores contratados pelo regime da CLT.
Ao contrário do que espalham por aí e que muita gente acredita, o FGTS não faz parte do salário do empregado. De acordo com a lei nº 8036, que rege o FGTS:
“Art. 15. Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal a que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965.”[4]
Para exemplificar, considere um salário bruto de R$1.000; neste caso, o empregado receberia os R$1.000 do salário, e mais R$80 em depósito do FGTS pago pelo patrão. Ou seja, além do empregado receber o seu salário, o seu patrão é obrigado a depositar mais 8% do seu valor na sua conta de FGTS.
Atente que acabamos de derrubar mais uma das mentiras tão difundidas sobre o FGTS: o depósito do FGTS é responsabilidade do empregador, não se trata de parte do salário do empregado. Ou seja, se um dia acabarem com o FGTS, você nunca mais verá novamente esse dinheiro! Olha só em que furada aqueles que defendem o fim do FGTS querem te meter!
O FGTS é gerido e administrado pela Conselho Curador do FGTS, que é formado pelos representantes dos trabalhadores (em sua maioria sindicatos), pelos empregadores e pelo próprio Governo Federal; já seus recursos são operados pela Caixa Econômica Federal.
O valor do FGTS pode ser resgatado pelo empregado nos seguintes casos[5]:
• Aposentadoria.
• Doenças graves, como câncer e AIDS.
• Para a aquisição ou financiamento (incluindo amortização e liquidação) da casa própria.
• Quando a conta do FGTS passar mais de 3 anos seguidos sem depósito ou o trabalhador permanecer pelo mesmo período fora do regime celetista.
Função Social do FGTS
Aqui chegamos em um ponto que tem tudo a ver com uma das principais críticas que o FGTS recebe. Os críticos, quando não defendem o fim do FGTS, falam da “liberdade” que todo trabalhador deveria ter para usar seu FGTS da forma que melhor lhe convir. Acontece que isso teria como consequência a perda de outras vantagens e necessidades, que dependem dos recursos do FGTS para existirem.
Ocorre que o FGTS não é um tipo de “poupança” do trabalhador, mas sim um pecúlio que também possui uma função social. Por exemplo, seus recursos possibilitam o investimento em Habitação Popular, Saneamento Básico e Urbanização. Além disso, são utilizados para financiar e subsidiar a aquisição de imóveis pelos trabalhadores, principalmente os de baixa renda. Quando você vê uma comunidade urbanizada, no que antes era uma favela; quando você vê a construção de habitações populares, como as da COHAB ou do programa Minha Casa, Minha Vida; quando você vê obras de infraestrutura para abastecimento de água, para o escoamento de água das chuvas, para a coleta e tratamento de esgoto; quando você vê ações de controle de pragas ou de doenças transmissíveis, você está simplesmente presenciando o uso dos recursos do FGTS para a melhoria da vida de toda a sua comunidade, incluindo você próprio(a).[6a]
Se você pôde crescer livre de doenças transmissíveis ou causadas por parasitas, que foram totalmente erradicadas com as obras de coleta e tratamento de esgoto, agradeça à existência do FGTS. Se você pode ter acesso a água potável com o simples movimento de abrir uma torneira em sua casa, agradeça à existência do FGTS. E, falando em casa, se você conseguiu um financiamento na Caixa Econômica Federal (CEF) com as menores taxas de juros do mercado, ou mesmo recebeu subsídios para realizar o sonho da sua casa própria, agradeça mais uma vez à existência do FGTS!
Diante desses fatos, podemos compreender melhor por que o FGTS não rende tanto como um dinheiro aplicado na poupança. Diferentemente desta, cujos recursos os banqueiros podem emprestar com taxas de juros absurdas, para depois você receber uma ínfima parte do que eles lucraram com o seu dinheiro, os recursos do FGTS são utilizados para urbanizar, investir em saneamento básico, combater doenças e ajudar as pessoas que mais precisam a realizarem seu sonho da casa própria, possibilitando assim alguma qualidade de vida nas cidades, vilas e bairros. E tudo isso financeiramente é custo, não traz lucro, logo terá um impacto no rendimento do FGTS.
Problemas do FGTS e sobre as críticas que recebe
Primeiramente é necessário alertar que o FGTS é constantemente atacado por pessoas comprometidas com tudo, menos com trabalho e o futuro dos outros, incluindo os seus, caso seja trabalhador celetista. Repare que a maioria dos críticos do FGTS mais extremados que defendem o seu fim, são geralmente economistas (neo)liberais ou “digital influencers” financiadas por think tanks (neo)liberais (confira o artigo da Voyager sobre: O poder da Atlas Network: Conexões ultraliberais nas Américas), os quais, por sua vez, são financiados por empresários e banqueiros locais ou mesmo bilionários donos de grandes corporações estrangeiras, como é o caso da rede Atlas Economic Research Fundation, com a qual o MBL possui ligações indiretas; e burocratas de instituições que representam os patrões brasileiros, como a FIESP.[7]
No geral, esses críticos são todos muito bem financiados por ou bem empregados nessas instituições patronais, cujos interesses eles representam muito bem. Ou seja, eles já estão com a vida feita — diferentemente de você, que se lasca de trabalhar —, logo, estão pouco se importando com os seus direitos e das demais pessoas que trabalham sob o regime celetista. Então muito cuidado com o que eles dizem sobre o FGTS.
Agora sobre os problemas do FGTS. Sim, realmente eles existem. O principal alvo de suas críticas é sobre o seu rendimento. Atualmente o FGTS possui uma correção de 3% ao ano, mais uma suposta correção da inflação, feita pela Taxa Referencial (TR). Isso significa, pelo menos teoricamente, que o seu dinheiro aplicado no FGTS acompanharia a inflação e ainda teria um rendimento de 3%. Mas não é isso que ocorre por conta da TR, que na prática não acompanha a inflação, fazendo o FGTS ter uma correção monetária abaixo dela.
Nem sempre foi assim: antes o FGTS era corrigido pelo IPCA, o qual, se continuasse como índice de correção do FGTS, garantiria um rendimento maior que a inflação hoje. A mudança ocorreu em 1999, no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, e nunca mais mudaram.[8] Porém, os trabalhadores que tiveram depósito na sua conta vinculada entre 1999 e 2013 podem recorrer judicialmente para que seu FGTS seja corrigido de acordo com os índices INPC, IPCA ou IPCA-E. Você inclusive pode fazer uma simulação de como seria seu FGTS corrigido com esses índices aqui.
De qualquer forma, esse baixo rendimento não serve de pretexto para a extinção do FGTS, como costumam defender seus críticos, afinal, não é porque o seu carro não corre tão velozmente quanto um carro de Fórmula-1 que você irá doá-lo para o primeiro ferro velho que você achar na sua frente; não é porque sua vaca rende pouco leite que você irá matá-la e não é por saber que o seu filho está tendo baixo rendimento na escola que você irá impedi-lo de continuar os estudos. Sim, pelo que você notou, a extinção do FGTS defendida pelos seus críticos mais extremados não possui lógica alguma.
Nós também conferimos que a outra razão para que o rendimento do FGTS seja baixo é que ele possui uma função social, que beneficia a todos nós. Até aqui nós ficamos melhor informados sobre ele, o suficiente para saber que aqueles que comparam o rendimento do FGTS com o rendimento da poupança pecam por serem simplistas demais, senão pessoas de má-fé mesmo, que querem te induzir ao erro.
Outra crítica feita corriqueiramente ao FGTS, inclusive pelos seus próprios beneficiados, é sobre a falta de liberdade para utilizar seus recursos pelo trabalhador. Nós também conferimos neste artigo que não é bem assim. Até que é possível o saque do FGTS, mas sempre numa situação de emergência ou para ajudar o trabalhador a construir seu patrimônio:
“Segundo o site do Ministério do Trabalho e Emprego, os objetivos pretendidos com a instituição do FGTS eram: formar um Fundo de Indenizações Trabalhistas; oferecer ao trabalhador, em troca da estabilidade no emprego, a possibilidade de formar um patrimônio; proporcionar ao trabalhador o aumento de sua renda real, pela possibilidade de acesso à casa própria; e formar um Fundo de Recursos para o financiamento de programas de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana.”[6b]
Conclusão
Obviamente que se eu fosse patrão, eu não seria apenas contra o FGTS, mas também defenderia sua completa extinção. Assim, eu não precisaria mais depositar todo mês o equivalente a 8% do salário do meu empregado na sua conta vinculada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e embolsaria esse valor, aumentando a minha margem de lucro.
Mas ora, veja só!: não é exatamente o fim do FGTS que defendem a mídia corporativa (sustentada justamente pelo patrocínio dos nossos empregadores), a FIESP e demais representantes do nosso patronato (entre eles think tanks liberais e movimentos conservadores como o MBL), como já alertado no início deste artigo? Entendeu agora por que todos eles são contra o FGTS? É evidente que eles defendem os interesses de apenas uma parte dessa relação entre empregado e patrão, e, caso você seja um empregado, definitivamente não é o seu interesse que eles estão defendendo!
Como você é um empregado ou não é detentor de grande volume de dinheiro (capital) e de propriedades para fundar o seu próprio negócio (ou seja, você é pobre! — eu sei que é duro admitir isso, mas sejamos realistas, até para evitarmos ser feitos de bobos como estão nos fazendo nessa questão), por uma questão de lógica, é melhor lutar pela permanência do FGTS.
Para o seu próprio bem, da sua esposa ou marido, dos filhos(as), enfim, de sua família, inclusive o cachorro, o gato, o papagaio e os peixinhos do aquário, que precisam de você, principalmente nos momentos difíceis, para terem a ração que os mantêm vivos, você optará por manter o FGTS, mesmo com todos os seus defeitos, e começará a fazer a sua própria pauta desse debate, exigindo a melhora desse direito ou sua substituição por outro mais vantajoso ou qualquer outra opção que você julgue melhor para a sua felicidade e de todos aqueles que dependem de você.
Pois, apesar de você estar no lado mais fraco dessa relação, sendo o empregado, sendo aquele que economicamente é mais frágil, você possui a maior riqueza que a natureza lhe deu sem nada cobrar: um cérebro para você pensar, inclusive sobre o que é melhor para você. 😉
Referências
[1] Domtotal — FGTS substituiu a estabilidade decenal
Senado Notícias – Em 1967, FGTS substituiu estabilidade no emprego
[2] Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional — Breve Histórico do FGTS
[3] Presidência da República – Casa Civil — LEI No 5.107, DE 13 DE SETEMBRO DE 1966
[4] …………………………………………………………….. — LEI Nº 8.036, DE 11 DE MAIO DE 1990
[5] CAIXA — Condições de Saque para FGTS
[6] [a][b] Revista de Desenvolvimento Econômico – A IMPORTÂNCIA DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO – FGTS PARA O DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO (PDF)
[7] The Atlantic — Spreading the Free-Market Gospel
The Intercept Brasil — ESFERA DE INFLUÊNCIA: COMO OS LIBERTÁRIOS AMERICANOS ESTÃO REINVENTANDO A POLÍTICA LATINO-AMERICANA
Publica — A nova roupa da direita
[8] Estadão — FHC sanciona correção do FGTS e culpa contas do passado
Para saber mais
• Caixa Econômica Federal – Breve Histórico do FGTS (PDF)
• FGTS – O PATRIMÔNIO DO TRABALHADOR MELHORA A VIDA DE TODOS
• Jornada – Reportagem sobre os 50 anos do FGTS
• Conteúdo Jurídico – Do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço