Tributação Progressiva provoca a fuga dos mais ricos?
Muito se reclama de impostos no Brasil, mas um debate sério a respeito é raro. O fato é que na nossa injusta tributação os mais pobres pagam mais impostos. Até quando?
Um dos gargalos mais conhecidos e relevantes do sistema econômico brasileiro é, sem dúvida, o sistema de tributos. Extremamente contraproducente, é um dos grandes responsáveis pelo alto grau de desigualdade do país [1], o que acaba gerando diversas distorções na economia em geral.
Devido à tributação regressiva e sobre o consumo, a classe média e os mais pobres acabam sendo proporcionalmente sobretaxados, sendo estes últimos os mais prejudicados, já que a taxação indireta acaba encarecendo itens básicos, ou seja, os mais pobres são os que mais pagam impostos no Brasil por meio do consumo [2]. Contudo, há quem diga que um sistema tributário mais progressivo poderia gerar fuga de investimentos empresariais, ou simplesmente um desestímulo por parte dos investidores… Será que isso se sustenta diante de uma verificação do que ocorreu e ocorre nos países que adotaram uma tributação mais progressiva? Até que ponto isso é verdadeiro? Para responder essas questões, pretendemos analisar o sistema tributário brasileiro de forma detalhada, propor alternativas e observar o que tem sido feito em países que buscam aperfeiçoar suas tributações.
Por mais que seja um problema bastante conhecido e objeto de críticas dos mais diversos campos políticos, as conclusões e as alternativas propostas divergem bastante. Alguns chegam a pedir a pura e simples redução dos impostos, sem contrapartidas, clamando apenas pela redução do tamanho do Estado no PIB, como se o tamanho da carga tributária bruta em si fosse o principal gerador de deficiências (até porque ela só cresceu de 1997 a 2005, justamente durante as políticas neoliberais de FHC) [3]. Inclusive, há um debate bastante polêmico, sobre o fato de considerar ou não o pagamento de juros no cálculo da carga tributária líquida, pois o juro, assim como o bolsa família e a previdência, são transferências diretas de renda. Contudo, deixaremos aqui um texto sobre o tema, para que o leitor tire suas próprias conclusões [4].
Carga tributária líquida = arrecadação total de tributos – transferências de assistência, previdência e subsídios. Carga tributária bruta = arrecadação total de tributos.
É importante observar, no entanto, com base em dados do Banco Mundial, que a carga tributária líquida do Brasil é inferior a um número considerável de países emergentes, mostrando que as transferências têm participação relevante na carga bruta [5].
No Brasil, os mais pobres pagam mais impostos
A tributação no consumo acaba prejudicando os mais pobres no Brasil.
A tributação brasileira é concentrada nos impostos indiretos, ou seja, sobre o consumo, sendo o oposto do que é feito em outros países, sobretudo os desenvolvidos, que focam na taxação direta (sobre a renda), mesmo que alguns ainda optem por tributar de maneira considerável o consumo, como a Nova Zelândia. Portugal, Irlanda, Islândia e Finlândia também tributam o consumo acima da média da OCDE, mas em menor proporção [6]. Contudo, todos conseguem compensar isso com a progressividade do sistema como um todo, seja por meio da própria tributação direta — sobretudo pelo imposto de renda — ou das transferências diretas de renda. A Suécia, por exemplo, tem o seu “ICMS” elevado, que chega a 25% [7] (sendo 17% no Brasil [8]), mas consegue compensar, tributando menos em outros setores de taxação indireta.
Fonte: Progressividade tributária: uma alternativa à PEC 241 (Fernando Gaiger Silveira).
Para compreender melhor o grau de regressividade do sistema tributário brasileiro, assim como a tributação demasiada sobre o consumo (tributação indireta) prejudica os mais pobres, vejamos a proporção dos impostos indiretos e diretos pagos pelo décimo de rendimento. Além de ratificar para qual faixa de renda recaem os impostos indiretos, é possível notar que o grau limitado de “progressividade” de alguns impostos diretos, como o IR (imposto de renda), é incapaz de compensar a regressividade dos indiretos [9].
Fonte: Progressividade tributária: uma alternativa à PEC 241 (Fernando Gaiger Silveira).
O fato é que há muito espaço para progressividade nos impostos diretos do Brasil, começando pelo próprio IR, que possui uma “progressividade” ínfima e, como já dito, não consegue suprir a carga regressiva dos indiretos. A alíquota máxima no Brasil é de 27,50%, contudo, passa dos 50% em países como Áustria, Canadá, Dinamarca, Japão, Portugal e Suécia — a última, com base em dados da OCDE, possui uma alíquota máxima de 60,1% [10]. Emergentes como Chile (40%), Índia, Colômbia e Uruguai também possuem alíquotas maiores que a nossa [11]. Para se ter uma ideia de quão regressivo e limitado é o IR brasileiro, uma análise mostrou como seria/é a alíquota no Brasil e em alguns países, com base em um salário de $400,000 [12].
A tributação sobre heranças, mais conhecida no Brasil como ITCMD (Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação), também é outra ferramenta de progressividade que o Brasil não utiliza de forma adequada. Aqui, a alíquota média é de 3,86%. No Chile, por exemplo, é de 13%. Outros países também optam por alíquotas médias maiores: Japão (24%), Suíça (25%), Alemanha (28,5%), Estados Unidos (29%), Itália (30%), França (32,5%) e Inglaterra (40%) [13] [14].
Outra opção factível seria criar alíquotas mais progressivas para o ITR (Imposto sobre Propriedade Territorial Rural).
No Brasil, a tributação sobre o lucro/empresas também é problemática. Por mais que a alíquota nominal máxima (IRPJ-CSLL) seja alta (34%) e acima da média da OCDE, a tributação final efetiva é inferior. [15] [16]. Um relatório do Banco Mundial, que avalia a facilidade de fazer negócios de cada país, também demonstra, com base em uma análise que considera empresas de médio porte, como a nossa tributação sobre o lucro também é regressiva.
No exemplo citado, uma empresa que possui 60 funcionários possui uma alíquota de cerca de 70%. Contudo, é válido ressaltar que a análise do Banco Mundial não considera apenas a tributação sobre o lucro, de acordo com a própria metodologia do índice: “O lucro comercial é equivalente ao valor das vendas menos o custo das mercadorias vendidas, menos os salários brutos, menos as despesas administrativas, menos outras despesas, menos provisões, mais mais-valias ou ganhos de capital (da venda da propriedade), menos os juros devidos, mais o rendimento de juros e menos a depreciação comercial.” [17] Isso reforça o ponto de que os nossos impostos não são altos, mas, antes de tudo, são injustos, seja na pessoa física ou jurídica.
Uma alternativa para melhorar o sistema seria rever os requisitos para Simples Nacional e lucro presumido — que é praticamente mais uma jabuticaba do Brasil e que contribui para distorcer ainda mais a tributação das empresas —, reduzir a alíquota máxima do IRPJ-CSLL (que poderia ir dos atuais 34% para 24%) e criar uma alíquota sobre os dividendos distribuídos (que poderia ser de 20% ou 25%, a depender do grau de redução dos tributos indiretos), obviamente, dando fim a JSCP (Juros Sobre o Capital Próprio), que também contribui para a distorção do sistema tributário. Além disso, é possível afirmar que a tributação sobre dividendos seria bastante progressiva, pois se daria de acordo com a escala do lucro.
Contudo, para consolidar uma agenda de progressividade tributária eficaz, é imprescindível reduzir a taxação sobre o sistema produtivo, sobretudo em impostos como IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Além de contribuir para a manutenção da elevada desigualdade do país, taxar em demasia o sistema produtivo (taxação indireta) compromete diretamente a competitividade das empresas brasileiras. É plausível, assim, que tais mudanças também sejam acompanhadas de uma redução na contribuição das empresas através da COFINS. Outra opção seria simplesmente extinguir algumas dessas modalidades e criar um único imposto efetivo, como fazem boa parte dos países da Europa com o IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), de uma forma que reduza a carga total de tributação indireta.
Fonte: Progressividade tributária: a agenda negligenciada (Sérgio Wulff Gobetti e Rodrigo Octávio Orair).
Além da regressividade, as altas taxas de juros reais, o déficit em infraestrutura (que eleva de forma significativa o Custo Brasil [18]) e os elevados custos de transação são, talvez, os maiores empecilhos para o empreendedor no país, sobretudo para os menores. O próprio relatório do Banco Mundial, citado anteriormente, também demonstra, em boa parte dos pontos analisados, como tais fatores desempenham um relevante papel negativo nesse sentido.
Um outro problema que compromete a estrutura tributária são as sonegações, o que acaba reduzindo ainda mais o grau de respeito interpessoal do país e corrobora para a manutenção da burocracia (leia mais sobre isso aqui). É interessante citar, por título de curiosidade, o que foi feito na Suécia. Em 2010, as empresas que vendiam bens e serviços deveriam possuir uma caixa registradora certificada, com o objetivo de dificultar que as empresas pudessem reter seus rendimentos e, consequentemente, de combater a concorrência desleal. Por mais que seja difícil encontrar dados concretos, os resultados parecem ter sido positivos, e países como Bélgica, Dinamarca e Itália tomaram medidas semelhantes [19].
Mas se os ricos pagarem mais impostos eles não fugiriam do país?
Será que uma tributação mais progressiva poderia gerar fuga de capital, ou algo do tipo? Bom, se o governo taxar juros e dividendos isso implica em perdas para o capital. Mas se o capital decide sair do Brasil nesse momento ele ainda irá arcar com ainda mais perdas. A primeira é que se os agentes decidirem se desfazer dos ativos em moeda nacional ao mesmo tempo, o excesso de oferta de ativos fará o preço deles despencar. Pior, após vender os ativos, os agentes têm que fazer a conversão de reais em dólares, e se muitos agentes fazem isso, há forte desvalorização cambial, que demandará mais perdas.
Então ao invés do agente perder somente com impostos, ele perde com a queda nos preços dos seus ativos e com a desvalorização cambial. Ao invés de um só canal de perda, haveria três canais. E, com base na hipótese das finanças comportamentais, os agentes possuem aversão à perda. Logo, podemos concluir (usando o arcabouço das finanças comportamentais) que não haverá fuga de capitais.
Um agente qualquer tem um ativo de 1 milhão de reais e dada a cotação do dólar de, suponhamos, US$1 = R$2; esse ativo, em dólar, vale 500 mil dólares. Em um segundo momento o governo resolve aumentar impostos e os agentes decidem se desfazer de seus ativos no Brasil. Se muitos agentes fizerem isso, o preço dos ativos despenca — vamos supor que em 20%. Logo o ativo vai ser vendido não por 1 milhão de reais, mas sim por 800 mil reais. Em um terceiro momento, o agente tem que converter os reais em dólares para sair do país. Mas se muitos agentes fizerem essa conversão ao mesmo tempo, a moeda nacional sofrerá brusca desvalorização — vamos supor que 1 dólar passe a comprar 4 reais ao invés de 2 reais. Nessa linha, o agente irá converter 800 mil reais a uma taxa de câmbio de 4 para 1, ou seja, trocará 800 mil reais por “apenas” 200 mil dólares.
Além disso, os mais ricos possuem um patrimônio físico no país, incluindo suas próprias empresas e já possuem um mercado consumidor consolidado de seus produtos ou serviços. Se optam por sair do país unicamente porque pagariam mais impostos, sofreriam um enorme prejuízo, porque dificilmente conseguiriam colocar à venda seu patrimônio por um valor vantajoso (lembre-se, nesta hipótese todos os ricos estariam fugindo, logo, quem poderia adquirir seu patrimônio instalado em território nacional?) e estariam trocando seu mercado consumidor por algo incerto, afinal, quem garante que no país com menos impostos ele conseguirá o mesmo lucrativo mercado consumidor diante do competitivo mercado já estabelecido do país para onde pretende “fugir”?
Outro fator importante é a infraestrutura existente no país, a qual é essencial para a logística de seus negócios. É por isso que não vemos empresários noruegueses fugindo da Noruega, apesar de lá os mais ricos pagarem muito imposto [20]. O que um empresário norueguês faria na Somália, um país de Estado praticamente inexistente e sem cobrança de impostos [21], por conseguinte sem infraestrutura, sem mercado consumidor, sem uma legislação que garanta o cumprimento de contratos e a existência do seu negócio?
Claro, existem casos de ricos que mudam de país para serem menos tributados, mas nunca é um efeito manada e geralmente são milionários que não investem na cadeia produtiva, mas sim têm suas fortunas aplicadas no mercado financeiro. Um caso famoso, que a mídia brasileira fez estardalhaço, foi o do ator Gérard Depardieu na França, que se mudou para Bélgica para pagar menos impostos [22], e que entra no exemplo do típico milionário que nada tem a perder mudando de país, pois fez sua fortuna no cinema, não é um capitalista cuja fortuna depende de infraestrutura, da propriedade privada dos meios de produção e de um mercado consumidor para ela ser mantida e ampliada.
Contudo há também a reação inversa, caso dos milionários alemães em 2009, que chegaram a formalizar uma petição sugerindo ao governo de Angela Merkel um aumento de impostos para os mais ricos, mostrando que mesmo no topo da pirâmide social existem aqueles comprometidos com o desenvolvimento do seu país, mesmo que isso signifique ter que pagar proporcionalmente mais impostos [23].
Em alguns casos, o Paraguai chega a ser citado como exemplo a ser seguido, sobretudo por conta dos baixos impostos corporativos, devido à migração de algumas empresas brasileiras para lá. Na verdade, tais empresas apenas abriram filiais no Paraguai, suas sedes continuam por aqui e recebendo os lucros que suas filiais ganham em território paraguaio [24].
Por fim, de acordo com a teoria das finanças comportamentais, que deu o prêmio “Nobel” de Ciências Econômicas a Daniel Kahneman em 2002, provavelmente os agentes não irão correr o risco de migrar para outro país apenas por conta do aumento de impostos. Então, dentro do arcabouço das finanças comportamentais, a hipótese de fuga de capitais é frágil.
A Tributação Progressiva não provocaria inflação?
Ainda há um argumento — pouco difundido, é verdade — de que a progressividade poderia gerar efeitos inflacionários. Ora, além de ser um palpite bastante simplista, que parece ignorar questões básicas como a quantidade de bens substitutos do setor afetado e o grau de concorrência, também ignora a elevada capacidade ociosa da economia brasileira, e que tem crescido copiosamente nos últimos anos [25]. Além disso, mesmo considerando que correlação não implica causalidade, é válido atestar — como já mostrado aqui — que praticamente todos os países desenvolvidos possuem sistemas mais progressivos e inflação baixa, tal como alguns emergentes, como o Chile. Via de regra, aumento de imposto é caracterizado como política fiscal contracionista no agregado, ou seja, tem impacto deflacionário. É válido ressaltar que uma redução na tributação indireta poderia colaborar — no momento da mudança, e dependendo, obviamente, de outras variáveis — para manter uma inflação estável.
Por fim, tais medidas só teriam efeito sobre o crédito se os bancos estivessem no limite da capacidade de emprestar. Além disso, boa parte do crédito foi fomentado pelo próprio Estado, sobretudo os de longo prazo.
Considerações finais
Como vimos, são vários os pontos que devem ser revistos e fortemente alterados no sistema de tributos brasileiro. Infelizmente, mesmo que seja uma das pautas mais relevantes e que poderia contribuir diretamente para recuperação econômica brasileira, não parece estar no primeiro plano de “reformas” que têm sido apresentadas no país. Enquanto isso, o Brasil seguirá com um sistema tributário que eleva a desigualdade e que compromete diretamente a competitividade das empresas do país, sem esquecer que tal quadro deverá ser agravado por conta de medidas como a Emenda Constitucional 95 (PEC 241 e PEC 55, a PEC do teto dos gastos públicos — veja aqui oito consequências), que, por ter o nível de gasto baseado na inflação do ano anterior, deverá resultar no congelamento do gasto real, desconsiderando o crescimento populacional e fazendo com que a despesa caia em relação ao PIB.
Percebe-se que como o sistema tributário foi pouco alterado desde 2005, foi justamente o aumento do gasto social que reduziu o medidor de desigualdade na última década.
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