A rejeição de Bolsonaro ao Fundo Amazônia é uma demonstração clara da sua falta de compromisso em proteger a floresta. No ano de 2018, a Amazônia atingiu o marco de 700 mil km² de área perdida para o desmatamento (20% de sua cobertura original). Até agora, a única postura de Bolsonaro foi, ao sabotar intencionalmente os órgãos de proteção e fiscalização ambiental, conceder um “aval informal” para grandes fazendeiros, madeireiros e garimpeiros ilegais praticarem seus crimes.
A floresta amazônica é ponto chave para nossa existência, pois os seus “rios voadores” carregam massas de água e levam umidade para a América do Sul inteira, influenciando nosso regime de chuvas. Sem isso, muitas regiões do Brasil seriam mais secas, então não é exagero dizer que a Amazônia sustenta nossa vida aqui, além de proporcionar equilíbrio climático e condições adequadas de sobrevivência na Terra. A Amazônia é um ecossistema único e é triste ver sua grandeza imponente e natural sendo destruída em favor de campos de soja ou gado. É um crime ver o Brasil substituir sua riqueza natural por uma realidade estéril e inóspita. O solo pobre da Amazônia se mantém através de um ciclo próprio de decomposição de suas plantas e materiais orgânicos, o desmatamento interrompe esse processo e pode transformar a floresta em deserto, além de desequilibrar o clima.
Bolsonaro não possui qualquer intenção de proteger a integridade da floresta, pelo contrário, trabalha para garantir o desmatamento e a exploração ilegal (informalmente permitida, agora). A paralisação do Fundo Amazônia é mais uma demonstração das investidas contra a política ambiental e da recusa do governo em cumprir seu papel constitucional. Chega a ser aterrorizante ver que, dentro dessa catástrofe, os eleitores de Bolsonaro encontraram espaço para fantasiá-lo como defensor da soberania brasileira e da floresta amazônica. Bolsonaro trabalha muito bem contra a soberania nacional ao dizer que “temos muita riqueza [na Amazônia] e eu gostaria muito de explorá-la junto aos Estados Unidos” em conversa informal no Fórum de Davos com Al Gore, o que mostra que ele sempre partiu do pressuposto que a Amazônia deveria ser explorada com a ajuda dos Estados Unidos.
Não há nas ações e políticas de Bolsonaro qualquer nacionalismo, como disse a antropóloga Andréa Zhouri: “as mineradoras estão lá, os noruegueses, os britânicos, os chineses estão lá ocupando quilômetros de terras, explorando madeira, minério, gado. O solo já é bastante internacionalizado na Amazônia. Os próprios militares cederam a base de Alcântara no Maranhão para os Estados Unidos”. O discurso fantasioso de Bolsonaro de proteger a “soberania nacional” contra a “ameaça estrangeira” é apenas uma retórica ideológica para ele se proteger do constrangimento e da responsabilidade internacional. Bolsonaro está muito bem adequado à realidade subdesenvolvida e agroexportadora do Brasil, a qual coloca o país em posição de desvantagem no cenário internacional.
O envolvimento estrangeiro na floresta é real, e não há nenhuma atitude do governo contra isso. Mineradoras estrangeiras — como a britânica Anglo American, a antiga Alcan canadense (incorporada pela anglo-australiana Rio Tinto em 2007), a estadunidense Alcoa, a norueguesa Norsk Hydro, a canadense Belo Sun, a francesa Imerys, a australiana South32 — possuem e exploram propriedades e riquezas brasileiras com a permissão do governo, na maioria das vezes impulsionando devastação ambiental e desrespeitando direitos humanos. Em 2017, o envolvimento de mineradoras canadenses no esforço de extinção da Renca gerou polêmica no mundo inteiro. Em 2009, a mineradora norueguesa Hydro despejou lama tóxica em rios amazônicos, causando grande impacto para a população local, até hoje sem ser responsabilizada. A Anglo American, tem quase 300 requerimentos de mineração que incidem sobre terras indígenas na Amazônia e o presidente Bolsonaro encaminhou um projeto de lei para autorizar a exploração em terras indígenas.
O relatório “Cúmplices na destruição: como corporações globais estão possibilitando violações dos direitos dos povos indígenas na Amazônia brasileira” da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), feito em parceria com a Amazon Watch, rastreia invasões de terras, violência, desmatamento ilegal e outras violações de direitos, como a obstrução da titulação de terras e processos de consulta prévia, associados a empresas estrangeiras. O documento demonstra “como as empresas de soja, gado e madeira responsáveis pela destruição da Amazônia brasileira sob o novo presidente do Brasil negociam abertamente e recebem financiamento de várias empresas na Europa e na América do Norte. Embora essas empresas tenham ligações documentadas para o desmatamento ilegal, a corrupção, o trabalho escravo e outros crimes, eles ainda fazem negócios com empresas sediadas em países que são os três maiores parceiros comerciais do Brasil: China, União Europeia e Estados Unidos”.
Segundo matéria da Amazon Watch “instituições financeiras sediadas nos Estados Unidos desempenham papel fundamental para viabilizar ações destrutivas de empresas vinculadas a violações de direitos indígenas e conflitos em territórios indígenas na Amazônia brasileira” e “seis instituições financeiras com sede nos Estados Unidos – BlackRock, Citigroup, JPMorgan Chase, Vanguard, Bank of America e Dimensional Fund Advisors – de 2017 a 2020 investiram mais de US$ 18 bilhões em nove empresas que permitiram violações de direitos ambientais e indígenas”.
O relatório expõe ainda que grandes empresas de mineração como a Vale e a Anglo American aguardam ansiosamente a destruição dos direitos às terras indígenas para prospectar em territórios nativos. Eles também mostram que a gigante do agronegócio JBS obtém gado criado ilegalmente em territórios indígenas e a Cargill faz negócios com produtores de soja que ocupam terras indígenas não tituladas. Esse tipo de retrato demonstra a região amazônica como uma terra sem lei; à medida em que a Justiça não a alcança, o poder do capital encontra o ambiente perfeito para constituir uma rede de crimes.
A realidade é bem diferente da retórica sem fundamento construída por Bolsonaro e seus seguidores, a exploração estrangeira da Amazônia já acontece e de acordo com o relatório mencionado o financiamento estrangeiro contribui para seu desmatamento, e isso em nenhum momento preocupa ou incomoda Bolsonaro, que se diz tão preocupado sobre interesses estrangeiros na Amazônia.
A proteção da Amazônia e de toda sua população nativa deve ser prioridade para todos os políticos que dizem defender nosso país. Apesar do presidente dizer que busca a “soberania nacional”, sua política carece de qualquer tipo de proteção ambiental, ignora a constituição e nunca nos protegeu dos interesses extrativistas estrangeiros. Esse tipo de mentalidade irresponsável, o cinismo e o comportamento deletério de Bolsonaro é diretamente responsável pela deterioração do Brasil.
Publicado originalmente em Le Monde Diplomatique Brasil.